Comportamento

A economia dos afetos em tempos de encontros e desencontros

Banksy – modernidade e afetos

 

Acusações não lhe faltam. Nosso tempo, dizem os atentos, é de individualismo em rede e marcado por uma aceleração permanente em direção ao descarte e à obsolescência programada. Traços tão fortes de nosso Zeitgeist que não apenas se aplicariam às coisas, mas também às formas das nossas relações. Assim, se os casamentos voltaram a crescer, também crescem os contratos pré-nupciais com regras claras para que, quando a força do amor se mostrar obsoleta, todos saibam muito bem onde e como descartar suas sobras.

Segue o diagnóstico: a expansão do consumo e as avançadas tecnologias de transporte que reposiciona bits e pessoas em milésimos de segundos, ao mesmo tempo que nos leva a lugares, antes só acessíveis por fotos e cinematografias, também deslocam nossos afetos tão abruptamente que acabamos engarrafados nos entroncamentos de tantas náuseas e euforias.

O avião que, até há pouco, só transportava alguns felizardos, hoje trouxe os continentes para debaixo de tantos pés como nunca antes na história desse mundo. E, para debaixo dos continentes, temos depositado boa parte daquilo que a história da natureza demorou milênios para oferecer. Com isso, ficou claro que, num futuro próximo, iremos oferecer a apenas a alguns felizardos a natureza que hoje conhecemos.

Bem, nada de novo no front. Não é de hoje que sabemos que “o mar da história é agitado”. Mas hoje sabemos, talvez como nunca, que não chegamos ao fim da história, que esta recomeça a cada instante, e numa velocidade que inclusive já não é narrável. Isso porque o oceano de informações dessa era parece ter produzido um deserto em nossa capacidade de narrar nossa história coletiva e pessoal. Dentre os milhões de posts e jornais à palma da mão ou de um clique, sobra apenas uma única e decisiva carência: a capacidade de juntar os pedaços e ver o que há por trás do prisma mediático.

Assim, chegamos naquele momento em que os pontos de junções e disjunções estão a se sobrepor num ângulo que nosso olhar já não alcança. Tal como o vento que se sente pelo sopro, é no corpo que a fricção desses nós nos enlaça e nos parte tão rapidamente que tudo que se enxerga é apenas uma sombra do que imaginamos ter sido um “nós”.

Mas eis que essa sombra que repousa em nosso olhar passa a ser tão somente a marca de um registro do passado a embaçar nossa vista, reduzindo a nitidez do momento seguinte. Aquele em que os nós que nos enlaçavam se desmancham para formar um oceano de saudades e esperança.

Diógenes Lycarião

Diógenes Lycarião é jornalista e pós-doutorando da Universidade Federal Fluminense (UFF). Cartesiano com licença poética que agora procura se especializar em retórica académica com literatura romântica de quinta.

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