Comportamento

Let’s talk about love – Parte 1

Mark Darcy e Bridget Jones

Mark Darcy e Bridget Jones

 

Quem me conhece sabe que não sou uma romântica incorrigível. Sou sensível, reconheço, mas acho que uma das minhas maiores qualidades é ser realista, exceto quando estou “totally and completely in love” por alguém, porque não há razão que resista a uma enxurrada de desejo e emoção que brotam não sei de onde fazendo de você a mais ridícula e fofa das criaturas. Sim, tenho problemas com paixões, elas me assustam exatamente por isso, porque me tiram do Iluminismo e me jogam na Medina da primeira geração do Romantismo. Mas, continuando, não venho aqui hoje para narrar minhas “desventuras” românticas e sim para compartilhar uma observação que já faço há algum tempo: a mídia está matando o amor romântico. Calma, vou explicar.

A despeito de todas as comédias românticas que inundam o mercado audiovisual – que de tão ridículas não conseguem promover projeção nenhuma (pelo menos, em mim) – tenho percebido um movimento de “Vamos tocar a real” em algumas produções, sobretudo, televisivas. A real em questão é que o happy end não existe, não há felizes para sempre e “a pessoa”, aquela que vai te entender e completar, pode, na verdade, ser não uma, porém, mais de uma pessoa. É, minha gente, o mundo anda tão complicado… Ou diríamos mais interessante?

A TV alimenta um caldeirão de expectativas de pessoas românticas que, ao se depararem com a complexidade, mediocridade e até mesmo simplicidade das relações afetivas no plano realista acabam se deixando levar por um furacão de frustrações que as impede de ver a beleza singela dos diferentes encontros que a vida proporciona.

Penso nessas conclusões exatamente quando lembro de dados reality shows (a praga da terceira fase da TV, como já enunciaria Eliseo Verón, apesar do adjetivo ser por minha conta). Essa ideia me veio à mente quando uma amiga me apresentou ao “Sister Wives”, um reality show exibido pelo canal TLC, desde 2010, sobre uma família poligâmica. E se confirmou depois da mesma amiga também me falar sobre o “Are you the one?”, um reality show exibido aqui no Brasil pela MTV, em que 10 homens e 10 mulheres (todos jovens e bonitos) são confinados em uma casa. O mote da questão é que existem cinco pares ideais na casa, reunidos pela produção do programa a partir de uma combinação de personalidades, e o jogo todo se desenrola em torno da busca pelo par ideal, motivada pela premiação de meio milhão de reais.

Genial! Porque o que se observa ao longo do programa é a formação de casais os mais díspares possíveis que, ao longo da disputa, descobrem que não formam um par ideal e aí se inicia o dilema: perseguir o dinheiro e o ideal ou me entregar ao que estou sentindo pelo parceiro “errado”? Enquanto isso, a audiência vai à loucura.

E qual o sentido da minha empolgação? De certa forma, mesmo forçando a barra para construir uma narrativa romântica a partir da edição das cenas, o programa, em sua parcela de realidade, mostra nada mais, nada menos, que não existe “o ser amado ideal”, mas apenas seres reais. Mesmo querendo retomar a lógica da narrativa melodramática, a rainha da cultura de massas, o programa acaba, a meu ver, desconstruindo certos ideais de romantismo que essa mesma cultura das mídias (parafraseando Lúcia Santaella) alicerçou ao longo de todo século XX em nosso imaginário. É nesse momento que alguém se insurge e diz que a realidade é dura e feia e o que se busca na ficção é mesmo a fantasia, a ilusão. Também concordo com essa afirmação, mas o que gosto de levar em consideração é que a televisão é responsável por uma de nossas mediações culturais, como já diria meu ídolo Jesús Martín-Barbero, e como tal, ela é responsável pela circulação de signos e ideias que encontrarão adesão no nosso cotidiano.

Em linhas gerais, a TV, por meio de suas ficções, alimenta um caldeirão de expectativas de românticos e românticas mundo afora que, ao se depararem com a complexidade, mediocridade e até mesmo simplicidade das relações afetivas no plano realista acabam se deixando levar por um furacão de frustrações e desânimo que os impede de ver a beleza singela dos diferentes encontros que a vida proporciona ou ainda de encarar as intempéries que qualquer relação a dois revela. E, muitas vezes, impedem também que se tenha mais uma história para contar, afinal, a probabilidade de ele ou ela não ser “the one” é muito maior do que o contrário. Por conta disso, muitos não se permitem simplesmente viver a realidade e ficam na eterna espera do amor de ficção que nunca chegará, porque ele só existe graças à magia da TV, do cinema ou da literatura.

E, se como afirma Umberto Eco, tudo é uma grande ficção (no sentido de construção), então, vamos inventar nossos próprios romances, sem fórmulas ou paradigmas, apenas experimentando a melhor forma para construir nossas próprias narrativas de amor, sim, porque o amor não é um só, grande e inexorável, ele é multiforme.

Até a adolescência, quando tudo é vivido pela primeira vez, é compreensível essa expectativa ilusória, mas na fase adulta, com um pouco mais de vivência afetiva, é possível perceber que não há fórmulas e moldes em um relacionamento, mas um processo árduo de construção. O problema é que a mídia continua a reproduzir esse signo romântico e, muitos de nós, em vez de apenas se deleitar com o prazer que a ficção proporciona, tentam forjar uma relação baseados em enredos fantásticos e cenas grandiosas. É aí onde mora o perigo.

Claro que eu queria um Mark Darcy na minha vida, mas como não há um advogado de direitos humanos bem sucedido esbarrando em mim no supermercado, ficarei feliz se um João, José, Antônio ou Francisco olhar e sorrir para mim no cruzamento da esquina, me oferecer um drink na balada, conversar comigo na jornada dentro do ônibus ou puxar um “oi” no aplicativo de paquera. O nome disso é vida real, algo que a ficção, às vezes, representa, mas, muitas vezes, também distorce. Contudo, românticos, não desistam, a realidade também é mágica, ela só tem outros tons diferentes daqueles mostrados na TV.

A magia dos encontros no mundo real pode estar no cheiro do perfume, na música em comum, nas frases que se completam, na risada sincera, no orgasmo que te deixa sem fôlego… Pera aí, Naiana, tu está exatamente descrevendo cenas de tantos e tantos filmes. Por isso mesmo, se a arte imita a vida, então, é porque tudo isso é plausível de se viver, mas para que consigamos encontrar “essa magia” (nos dizeres de muitos, e apenas, afinidade, no meu próprio vocabulário) é preciso deixar de tantas falsas expectativas e julgamentos, muitos que impedem até de se experimentar cada um desses momentos. E, se como afirma Umberto Eco, tudo é uma grande ficção (no sentido de construção), então, vamos inventar nossos próprios romances, sem fórmulas ou paradigmas, apenas experimentando a melhor forma para construir nossas próprias narrativas de amor, sim, porque o amor não é um só, grande e inexorável, ele é multiforme etc … Acho que essa não será nossa única conversa sobre amor. ;)

Naiana Rodrigues

Naiana Rodrigues é professora do curso de Jornalismo da UFC, doutoranda em ciências da Comunicação (USP), pesquisadora do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho (CPCT-USP) e do Praxisjor (UFC). Destaca-se: é também fashionista por natureza.

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