Se o olhar é uma chance de infinito, gosto de pensar que olhos fechados são o mistério antes do voo. Um mergulho solitário em si. É comum o encanto por um par de janelas escancaradas na fotografia. Observamos do lado de fora e acreditamos descobrir algo sobre as almas ali expostas no rosto. Achamos bonito e encaramos sem pudor aquele que nos devolve o olhar. No entanto, o retrato de quem nega a retina também inquieta e seduz. Não apenas pela anatomia das pálpebras fechadas, mas pela impossibilidade da certeza.
Na falta das chuvas, tive de conhecer Evenilson pelo silêncio. Tem gente que se deixa perceber sem mostrar-se. De todo tamanho e gesto, é gente que não explica, nem pensa em pontes. Ainda assim, diz. Um dizer desconhecido que rasga o sertão com sutilezas e lança qualquer raiz que faz elo com um tempo antigo, do dia em que ali talvez tenha existido um mar agora invisível. Diante da imagem, imagine.
Gosto de olhá-lo enquanto não me vê. Se nesse instante ele é mais dele mesmo que do mundo, gosto de observá-lo dessa forma. Sem moral da história, sem final, sem palavra bonita. O olhar que não enxergo, nem me olha, ajuda a respirar por alguns segundos. Não com fôlego, mas com um sorriso desses simples que a gente desenha no canto da boca, apesar dos cansaços. Tenho a chance de aprender a ver. Enxergar passa a não se definir só pela aptidão fisiólogica, mas também através do gesto e do corpo inteiro, sempre tão fragmentado. Para ver, não basta ter olhos.
Iana Soares
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- Para ver sem o olhar - 27 de junho de 2014