Viagem

A mudança da paisagem interna

Arte – Tatiana Chaves

“De uma cidade não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas as respostas que dá às nossas perguntas” (Ítalo Calvino).

Quando se decide viver em outra cidade, uma das primeiras perguntas que surgem é: qual é o meu objetivo? Sim a pergunta é reta e sisuda demais para dizer sobre o que nos move. Lembro que todas as vezes que pensei em me mudar de cidade, ou que me mudei efetivamente, fui motivada por um desejo. Desejo de viver com qualidade, de morar em um lugar mais bonito, de conhecer novas pessoas, de rever tantas outras, de aprender um idioma. Olhar para uma cidade e imaginar-se nela é experienciá-la como imagem possível, como sonho. E ainda que a cidade já seja conhecida, enquanto não se chega ao destino, é o desejo que conduz a imaginação e dá forma a uma cidade latente porque ainda não habitada.

É o uso que nos dá a noção do modo de ser da cidade e dos seus moradores. Viver a cidade é reconhecê-la, é ler as sutilezas do seu dia-a-dia e traduzi-la.

Mas a despeito do desejo que nos impulsionou, o que se acontece quando se está longe de onde estávamos acostumados, seja em outra cidade, seja em outro país, é antes de tudo nos darmos conta das mudanças que acontecem conosco de uma forma extremamente visceral, mas que só é possível perceber quando nossas referências também mudam. Não é apenas uma mudança de paisagem externa, não é apenas uma mudança geográfica, é, isso sim, uma mudança na paisagem interna.

Não há termos de comparação em uma cidade estranha. Os olhos percorrem as ruas em busca de representações que soem familiares, mas as referências não estão lá. Por outro lado, estar sem referências é também possuir uma página em branco, onde o corpo risca seu movimento e ao fazê-lo cria seus mapas, espacialidades, desenhos necessários ao aprendizado cotidiano, numa linguagem não-verbal de onde emergem sua relação com o outro e com o ambiente. É o uso que nos dá a noção do modo de ser da cidade e dos seus moradores. Viver a cidade é reconhecê-la, é ler as sutilezas do seu dia-a-dia e traduzi-la.

É a partir daí que se estabelece uma percepção possível da cidade através dos seus fragmentos de imagem. Possível porque a percepção é em grande parte um ato de criação e imaginação, já que as informações nunca são percebidas como um espelho do real e, quando traduzidas, ganham novos contornos, ou seja, apreender a cidade é também recriá-la.

Não há objetivo a ser atingido, mas uma busca interminável por descobrir-se. Busco em outras cidades porções de mim que foram perdidas ao longo do tempo.

Nasci em São Paulo, me mudei para Fortaleza aos 17 anos, voltei para São Paulo para fazer Mestrado, voltei para Fortaleza e hoje moro em Dublin. Entre essas idas e vindas ainda busquei outras cidades para flanar, aprender, trocar.

E neste ato de troca entre mim e a(s) cidade(s), ela(s) me surpreende(m) com uma possível reposta para a pergunta sobre o objetivo de se viver em outro lugar: não há objetivo a ser atingido, mas uma busca interminável por descobrir-se. Busco em outras cidades porções de mim que foram perdidas ao longo do tempo, partes daquilo que me compõe, pedaços de histórias que nem sabia existir, mas que de uma certa forma ajudaram a construir a minha própria. Mudo de cidade, procuro novas paisagens, novos horizontes e novos aprendizados, porque mais do que uma vida longa, espero ter uma vida larga.

 

Tatiana Chaves

Tatiana Chaves é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo. É mãe de dois meninos e busca, através do yoga, encontrar o equilíbrio necessário para reafirmar diariamente sua escolha pela simplicidade em meio à espetacularização e gourmetização da vida.

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