Meio Ambiente

Sobre os mineros mineiros

Tiago 133

“Vamos sair daqui antes que eles tranquem tudo”, diz um ator do filme “33” como um dos responsáveis por avisar a comunidade sobre o acidente na mina chilena de San Jose, onde permaneceram por 70 dias 33 mineradores chilenos (mineros, em castelhano) dentro da montanha após um desmoronamento na área de extração de ouro. O filme relata os dias de confinamento dos mineiros e as disputas entre o governo chileno, a indústria responsável pela mina e os familiares. É impossível não traçar um paralelo entre o ocorrido no país andino e a atual situação em Minas Gerais. A falta de condições de trabalho, a exploração da comunidade que “vive” ao redor da mina e, principalmente, as tratativas da empresa em se desvencilhar de qualquer culpa sobre o ocorrido.

 Quando iniciei meus estudos, ainda trafegavam pelo centro histórico da cidade caminhões carregados de minério de ferro. Nos 300 últimos anos, a extração de pedras preciosas e minerais foi e ainda é a base da economia local.

Tive a sorte de ter feito minha graduação em Ouro Preto. Entre 2000 e 2004, cursei Turismo na primeira turma da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e pude, ao longo desse período, conhecer não só a região, mas a história e um pouco das relações entre aquelas comunidades e a mineração. Quando iniciei meus estudos, ainda trafegavam pelo centro histórico da cidade caminhões carregados de minério de ferro e ônibus intermunicipais e privados transportando passageiros e funcionários das mineradoras da região. Nos 300 últimos anos, a extração de pedras preciosas e minerais foi e ainda é a base da economia local e seu principal gerador de empregos. Contudo, alguns centros urbanos ainda conseguem achar alternativas para essa equação de dependência – não é o caso de povoados como Bento Rodrigues, Camargos e tantos outros da região que encontram na mineração um modo de sobrevivência e, ao mesmo tempo, seu fim.

Segundo relatos, o rompimento das represas ocorreu por volta das 14h, e a população só foi avisada quase duas horas depois, por funcionários que, tal como os personagens do filme, saíram da empresa e foram informar a comunidade. Não havia sirene, nem plano de contenção de desastres, nem rotas de fuga – em resumo: nenhuma preocupação com a segurança dos funcionários ou da comunidade. Logo após os acidentes, o presidente da empresa veio a público lamentar o ocorrido e avisar que a lama que vazou da barragem não era tóxica. Não precisa ser nenhum gênio químico ou engenheiro de minas para saber que essa informação é falsa. O uso extensivo de metais pesados na mineração é uma de suas características básicas. Dias depois, com o avanço dos dejetos, as imagens de animais mortos pela onda de lama começam a surgir por todo o caminho traçado por ela. Divulga-se uma nota que informa que um terremoto teria sido o causador do rompimento. Em dois dias, o observatório sísmico da Universidade de Brasília desmente. Com um pouco mais de investigação, descobre-se que algumas das licenças estavam vencidas. O governo corre para dizer que o processo de renovação está atrasado devido às greves no funcionalismo. A proprietária da Samarco Mineradora corre para dizer que não é bem dona da empresa – “só” acionista majoritária. Tal como na película, não há “culpados”; foi um “acidente”. E em vez de buscar sobreviventes e informar a população sobre o que ocorre, governo e empresa (cada vez mais unidos em interesses e ações) isolam a área e proíbem o acesso de moradores e imprensa à zona do ocorrido, esperando a “poeira baixar” e garantindo que a ação é para a própria segurança dos locais.

Os danos ao meio ambiente e às pessoas são imensos e tornam-se ainda mais gritantes pela perspectiva de não terem a punição devida e nem servirem marco para evitar situações futuras como essa.

O “acidente” acabou com mais de 300 anos de história de um lugarejo esquecido da região mineradora. Tenho certeza que ele só chamou atenção devido à proximidade da capital e das cidades históricas e à divulgação quase que em tempo real, através das redes sociais, dos ocorridos. Tratar como um infortúnio o extermínio de uma cidade e das vidas de centenas de famílias é só mais um dos abusos que recebemos todos os dias seja pela mão das empresas, seja pelas mãos do governo. A onda de lama, literalmente, cimentou alguns pontos do leito do Rio Doce e levou todas as cidades que estavam próximo a ela a decretar estado de calamidade pública, devido à impossibilidade de tratar a contaminação das águas pelos resíduos de ferro e mercúrio (lembrem-se: não tóxicos). A demora para o diretor da Agência Nacional de Águas, da ministra do Meio Ambiente e mesmo da presidenta Dilma Roussef em ir à região só agravou a sensação (ou seria realidade?) de descaso ao crime ambiental ocorrido. Até agora, a lama do Rio Doce já atingiu o litoral do Espírito Santo e foram contabilizadas oito toneladas de peixes mortos. Os danos ao meio ambiente e às pessoas são imensos e tornam-se ainda mais gritantes pela perspectiva de não terem a punição devida e nem servirem marco para evitar situações futuras como essa.

O prefeito de Mariana diz que o fechamento da Samarco seria a morte da economia da região, ignorando os corpos que estão soterrados pela lama e a dor dos atingidos por ela. Talvez a solução seja a mesma do filme: parentes acampando em frente à mina e esperando uma resposta. Infelizmente, o final não será feliz. Não sairão com vida da lama nenhum das dezenas de corpos soterrados – nem mesmo a história centenária de Bento Rodrigues.

Tiago Miranda

Tiago Mirada é bacharel em Turismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), mestre em Planejamento pela Universidade de Santiago de Compostela. É mineiro de quatro costados e tem dois sonhos: o primeiro virar diplomata. O segundo ainda em aberto.

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