Cidade

A cidade que se escuta

 

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Era agosto de um ano passado, meio dia. Eu estava entre uma aula e uma reunião, quando o cruzamento das ruas Júlia Siqueira e Nunes Valente me chamou a atenção. Mais de perto, consegui ler o que estava escrito no chão: “que seja eterno”. Meu coração pulou! Fui levada a ‘Frisson’, de ‘Suave Veneno’, e, como um amigo que mora no meu coração (e também entre os rios Reno e Savena) costuma dizer, ‘escrevi com a luz’ e, depois, ‘claro’, postei no Instagram.

Dentre tudo o que gosto de fotografar (eu não disse que sei, eu disse que gosto), não há nada como os diálogos urbanos. O que a cidade nos assegreda. Seja através de conselhos anônimos enquanto o sinal não abre, grafites inusitados, sinalizações mal (ou melhor) interpretadas, pixações irreverentes ou até mesmo anúncios (re)cortados. Amo mesmo o que a cidade fala em silêncio. Ou, alguém poderia dizer, “ela ama o que ‘escuta’”.

Enfim, a pé, de bicicleta, ônibus, trem ou carro, quando consigo, paro, pego meu telefone e ‘click’. Muita coisa passa sem o registro da lente, mas fica guardado. Exato, na mente. E ainda escrevo sobre cada uma delas.

No fim daquele dia, percebi que chegavam mensagens da mãe de uma amiga que estava morando onde se fala o castelhano mais puro da Espanha. Eram notificações do inbox do Facebook. Pensei ‘Oba! Notícias do velho mundo’. Mas, “Oi belíssima, em qual rua estava escrito no asfalto ‘que seja eterno’? Quem escreveu?”, foi o que li.

Sempre fiquei imaginando a história por trás do que as ruas falam. Gritos nos muros, declarações nos asfaltos. Eles não aparecem num passe de mágica. Por mais mágico que tudo pareça. “Acho que sei a história da foto….vou checar…”, foi a última mensagem que recebi. E que me deixou na expectativa por uma semana. Afinal, pela primeira vez, eu saberia o começo, não ficaria só com o fim. E é tão emocionante ligar os pontos.

O que chegou na minha caixa de entrada depois da espera? Fotos de uma jovem, trechos de poesias e uma história, mais ou menos assim: Um médico da minha família, casado há 35 anos, se apaixonou perdidamente. Por quem? Por uma menina 42 anos mais nova do que ele. A paixão inspirou o homem e ele lançou um livro de poesias. Todas dedicadas a ela – que tinha idade para ser neta. Fui ao lançamento. A menina estava lá. Belíssima. E a mulher dele também. Mal humorada, naturalmente. Acho até que no dia seguinte, ainda mais, afinal, ele encheu o Facebook com fotos da pequena. Dentre as poesias, tinha uma que citava uma frase que ele escrevera na ‘calçada dela’: ‘que seja eterno’.

Connecting the dots! I love it! Como disse, sempre perdi (???) tempo pensando na história atrás da história. E agora que sei esta (e outras poucas), vou continuar com os registros e ligando os pontos, nem que seja com a minha imaginação. Afinal, no ‘jogo das cidades’, mais que em ‘jogos’ como este, ‘de papel’, a cada novo jogador, um novo ponto surpreende.

Flávia Castelo

Flávia Castelo é mãe, estudante, dona de casa, advogada e professora com mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFC). Morou na Bélgica, entre 2012 e 2013, quando estagiou na Vision on Technology e fez doutorado sanduíche, em Biotecnologia, na Universiteit Antwerpen. Sua paixão número um é ouvir e escrever sobre as histórias fabulosas da filha.

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