História

A invencível armada

“A Derrota da Armada Espanhola”, de Philipp Jakob Loutherbourg, 1796. Museu Nacional Marítimo, Londres, Inglaterra.

Em meados do século XIV, a Espanha, juntamente com Portugal e navios italianos, dominou as águas do mediterrâneo. Tamanha era a capacidade da frota que ganhou a alcunha de “A invencível armada”. Com o pretexto de retirar a Inglaterra da mão dos infiéis anglicanos, Felipe II, católico fervoroso, preparou o ataque final não apenas para derrotar os protestantes, mas também para controlar todas as rotas comerciais da Europa, uma vez que os navios de Elizabeth I eram, juntamente com os Batavos, seus maiores concorrentes. Reza a lenda que Elizabeth, então jovem rainha, comandou um pequeno exército até a costa Sul do reino para fazer frente a qualquer tentativa de invasão por terra, as batalhas se sucederam e, ainda segundo conta o relato, uma tempestade fortíssima caiu sobre o Canal da Mancha, arremessando os grandes navios espanhóis uns contra os outros, dando, assim, início à derrota da histórica armada. Elizabeth volta ao centro do reino ungida como protegida divina e grande estrategista. A história, por sua vez, é menos fantasiosa.

Elizabeth comandou um pequeno exército até a costa Sul do reino para fazer frente a qualquer tentativa de invasão por terra. Batalhas se sucederam e uma tempestade caiu sobre o Canal da Mancha, arremessando os grandes navios espanhóis uns contra os outros.

Os ingleses tinham praticamente o mesmo número de navios, um exército de mais de 15 mil homens (os espanhóis eram quase 30 mil), contudo, tinham barcos mais leves e que conseguiam atacar a distância. Os galeões portugueses, mais pesados pelo maior poder de fogo, precisavam de proximidade para atacar. Além disso, os comandantes da rainha conheciam os mares perfeitamente e sabiam muito bem como navegá-los: começaram com ataques a distância e notaram que os navios espanhóis se aproximaram demais uns dos outros; veio a tempestade e tudo ficou mais fácil, resultando na vitória inglesa e no fim do sonho ibérico de dominação comercial.

A presidenta Dilma Rousseff tornou pública, no dia 15 de março, a indicação de Lula como ministro da Casa Civil. Mas, nem tudo foi calmaria nesses mares. Uma série de ações judiciais impediram até meados de abril que o ex-presidente assumisse o Ministério da Casa Civil. Porém, mesmo sem um cargo no governo, o “efeito Lula”, que vem correndo o país numa caravana contra o impeachment, tem surtido efeito. Em uma pesquisa divulgada domingo (11/04) pelo Datafolha Lula aparece junto com Marina como candidatos preferenciais na disputa presidencial de 2018. Além disso, o número de apoiadores do impeachment de Dilma caiu. Em um mês de reviravoltas, às vésperas de se começar processo de impeachment, esses dados são indicativos de que houve um reforço entre os navegantes ingleses, numa metáfora histórica.

Dilma, tal qual Elizabeth na lenda, espera que seu comandante mais hábil salve o governo dela. Por mais que não se goste do novo ministro, são inegáveis seu capital político e sua capacidade de negociar. Qualquer pessoa que já tenha visto um discurso ao vivo do ex-presidente sabe muito bem do que digo. Lula é a última barreira, a última resistência do governo atual, e aposta todo seu capital político e 85% de aprovação (2010) na defesa do projeto do Partido dos Trabalhadores. Contudo, a barreira está enfraquecida: as acusações de relações íntimas com construtoras, o depoimento e, claro, um clima de instabilidade fomentado por grupos da oposição e do próprio partido ameaçam o caminho. A suposta reforma ministerial trazendo de volta Henrique Meireles, Celso Amorim e Ciro Gomes é a tentativa de Lula em formar a sua invencível armada. Meireles seria o responsável por acalmar o mercado; Amorim, por comandar as rotas comerciais (Lula fala da necessidade de vender o Brasil e questiona o porquê da falta de interesse de Dilma em seu depoimento) ;e Ciro Gomes, o bastião do ideal da “Pátria Educadora”.

Dilma emula a fé elizabetiana em uma repentina mudança de curso ao mesmo tempo em que conta com sua invencível armada para poder chegar ao final de mandato. A oposição fará o papel de tempestade e forçará a todo custo o naufrágio da armada. O resultado só o tempo dirá.

Em um discurso confuso, Dilma emula a fé elizabetiana em uma repentina mudança de curso ao mesmo tempo em que conta com sua invencível armada para poder chegar ao final de mandato. A oposição fará o papel de tempestade e forçará a todo custo o naufrágio da armada. Oficialmente não se sabe se Lula conseguirá conduzir o governo como ministro – papel que outrora coube a Dirceu e Palloci –, mas correndo por fora ela já mostra que tem artilharia pesada. O resultado final só o tempo dirá. A história, bem como a política, é contada pelos vencedores – se preciso for, através de lendas, mas sem nunca perder o componente real. Aguardemos os próximos dias com os olhares voltados para o impeachment: ou a tormenta fulmina a Armada ou teremos o início de um novo período ainda mais turbulento. Quinhentos anos depois e um oceano ao sul, os mares de interesses políticos e comerciais seguem agitados. Dilma, como Elizabeth, tomou decisões frente ao caos. Cabe agora ver se a Presidenta terá a mesma sorte e a mesma frota.

Tiago Miranda

Tiago Mirada é bacharel em Turismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), mestre em Planejamento pela Universidade de Santiago de Compostela. É mineiro de quatro costados e tem dois sonhos: o primeiro virar diplomata. O segundo ainda em aberto.

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Um comentário sobre “A invencível armada

  1. Uau, um belo desile de conhecimentos históricos, com análise política coerente, aliados a uma criticidade ligeiramente ácida, gostosa.
    Ao jovem postulante ao cargo de diplomata, uma sugestão:
    Se já não fez ou estiver fazendo, incluir no currículo os estudos da área econômica.
    Parabéns pelo texto, muito bom.

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