Quando minha roommate veio visitar Fortaleza no final do ano andei com ela por alguns lugares, cumprimentei as pessoas que encontrava pelos caminhos, contei histórias e sobre aquela sensação de pertencimento ela me dizia: – o nome disso é pátria. Uma das nossas paradas foi na barraca de suco de frutas do Mercado Central. Conheço o Zé Maria, o dono, há anos e, em nossa pausa turística, ganhamos de regalo uma mistura de manga, limão, maracujá, carambola, caju e cajarana. O melhor suco da vida! Era um presente e um desafio. Tome e descubra as frutas. Só não acertei as seis porque troquei a cajarana por cajá. Foi quase. Deve ser isso que a Débora Maciel chamou de pátria. O afeto e os sentidos.
Trocamos a batedeira e o imperativo “reserve” pelo desvelo da mesa repleta de ingredientes diversos próprios de quem cozinha como se dá à vida, sem medo de arriscar.
E essa minha pausa na Fusta foi assim repleta de sabores. Em boa parte das férias, o corpo adoeceu me fazendo parar. Porém, neste hiato, os sentidos e os encontros avolumaram-se. E todos eles tinham gosto. Uns vieram de Viçosa, no licor de leite e na geléia de pimenta (que conheci há anos e para a qual nunca encontrei concorrentes) que o Laécio Ricardo trouxe de mimo à minha cozinha. Cruzando o oceano, os caramels ao beurre salé, presentes do Ray Junior, tinham gosto de virada de ciclo, de celebração.
Tudo assim, nos exemplos diversos das pequenas porções de sabor. No Natal, a torta de maça guardada para mim pela Socorro Tavares na famosa marmita fim-de-festa, nos bolos-aventura que tentei fazer para Ana Cesaltina e para Clarissa Tavares nas tapiocas agridoces e sopas de abóbora que sempre acolhem os que visitam o mofo-lar, nas degustações de café que distribuo como motivo de estar perto, na feijoada vegetariana do Mandir que me dou de prenda sempre que posso… E no fim desses dias, desses encontros todos, meu paladar ganhou de benesse a receita de papo de anjo da Adriana Ximenes.
É da pátria-Fortaleza que levo o gosto de casa, do velho coado e do pão d´água servidos no café da manhã. É que para gente ganhar o mundo sem se perder, a gente precisa é de um porto.
Com o carinho feito aula particular, minha agenda anotou o passo-a-passo que a professora-brigita me ensinava como quem cantarola um segredo. Ela dizia: a receita diz assim, mas eu faço desse jeito, ó. Trocamos a batedeira e o imperativo “reserve” pelo desvelo da mesa repleta de ingredientes diversos próprios de quem cozinha como se dá à vida, sem medo de arriscar. O curioso é que o mundo gira. Ao que consta, o papo de anjo original chegou a Adriana pelas mãos de uma quituteira Leite Barbosa, mais adiante tentarei acertá-lo. A vida é assim, né? A gente recebe aqui e passa acolá.
Eu que sou filha de uma grande cozinheira, temo não ter herdado esse dom. Mas, sei ao certo apreciar os encontros. E destes levo minha mala repleta. Se São Paulo me fez conhecer o café especial em grãos, a sofisticação das receitas e dos pensamentos acadêmicos, é da pátria-Fortaleza que levo o gosto de casa, do velho coado e do pão d´água servidos no café da manhã. É que para gente ganhar o mundo sem se perder, a gente precisa é de um porto. Graças a Deus eu tenho o meu e ele é assim, bonito e saboroso como uma mesa farta. Inté, Fusta!
Texto publicado originalmente em 8 de março de 2016.
Grazielle Albuquerque
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