Esporte

Confesso, meu coração é olímpico

Stardust 7 - Olimpíadas55

Que me perdoem os colegas constantemente preocupados com o “vampiro” interino, com a cumplicidade do Congresso para jogar na lama os direitos trabalhistas e, claro, com a votação definitiva do processo contra Dilma Rousseff no Senado Federal (ainda que as supostas provas para a validação do seu afastamento sejam constantemente refutadas). É tempo de Olimpíadas e meu coração e mente são tragados para as arenas, ginásios, estádios e piscinas do Rio de Janeiro, num zapping frenético, similar às batidas cardíacas quando estou vendo (e torcendo) em uma competição!

É tempo de Olimpíadas e meu coração e mente são tragados para as arenas, ginásios, estádios e piscinas do Rio de Janeiro, num zapping frenético, similar às batidas cardíacas quando estou vendo (e torcendo) em uma competição!

Confesso que não estou interessado nem nas controvérsias sobre a liberação ou não do direito de exercício de manifestação política no decorrer das partidas. Óbvio, por mim, antes de cada hino, poderia haver um coro bradando “fora Temer” de modo retumbante! Mas minha preocupação maior está canalizada para o que vai acontecer quando soar o apito inicial. Claro, também reconheço as polêmicas vinculadas à organização dos jogos – afinal de contas, sediar uma competição deste nível, que exige investimento altíssimo e alto grau de responsabilidade, é prioridade para um País com tantas assimetrias sociais e prioridades evidentes? Por outro lado, abraçada a missão de sediar as Olimpíadas, temos competência e eficiência para vencer tal desafio e promover uma edição digna?

Novamente, ponho de lado as divergências, disputas e debates. Deixo para os amigos com engajamento político mais vigoroso a tarefa de problematizar o legado dos jogos e se houve acertos de nossos gestores em acatar esta missão. Do lado de cá da tela (já que não fui à capital carioca para conferir nenhuma partida, modalidade), prefiro me entregar à euforia e desespero dos que esperam quatro anos para, mais uma vez, acompanhar a elite do esporte mundial em quadra.

Na Rio 2016, já chorei algumas vezes, mas também já ameacei desrespeitar meus limites cardíacos diante de resultados negativos, provas não concluídas, derrotas que jamais serão acatadas. Embora carente de talento esportivo – no 2º grau, aprendi a jogar basquete com certo desenvoltura, mas a baixa estatura foi sempre um entrave –, padeço do mal daqueles que amam competições e veneram os grandes do Olimpo. Ou aqueles que, mesmo não tão grandes ou que ainda estão pavimentando seu caminho à morada dos deuses, se entregam com amor e devoção às suas modalidades.

Foi assim que as ginastas brasileiras me cativaram, bem como nossas judocas, jogadoras de futebol e atletas do vôlei (praia e quadra). Se confirmei algo nesta Olimpíada, foi o quanto dependemos do talento e desempenho feminino para conseguir resultados expressivos, premiações, reconhecimento, visibilidade. Há exceções, mas a Rio 2016 é, mais do que nunca, a comprovação da competência das mulheres! Sendo assim, viva o empoderamento feminino também nas arenas esportivas!

Se confirmei algo nesta Olimpíada, foi o quanto dependemos do talento e desempenho feminino para conseguir resultados expressivos, premiações, reconhecimento, visibilidade. Viva o empoderamento feminino também nas arenas esportivas!

Mas também me emocionei com os gigantes, no auge e na queda. Por exemplo, com a simpatia de Novak Djokovic, cujos rompantes de brasilidade (no pulso, na raquete e nas sacolas) conquistaram os torcedores. Isto para não falar quando desabou na quadra ao perder sua última partida e se despedir das Olimpíadas. O atleta julgado invencível cedeu – os deuses também têm seus dias de mortais! Também fui às lágrimas com os pódios de Michael Phelps, divindade maior deste Olimpo. Depois de desistir das competições e de mergulhar em forte crise (prisão e depressão), o ídolo norte-americano retoma seus treinos e decide voltar às piscinas. Veterano num evento esportivo que, cada vez mais, parece preferir o vigor da juventude à experiência dos mais velhos – sim, na era dos superatletas, a idade delimita o sucesso e torna as carreiras efêmeras –, Phelps poderia findar sua trajetória de modo tímido, eclipsado pelas novas gerações. Deus entre os mortais, o nadador reverteu este princípio e suposta condenação: aos 31 anos, venceu várias provas e ratificou seu nome como o esportista mais “medalhado” da história. O mais surpreendente, ao acompanhar suas premiações, foi testemunhar que seu coração de veterano parecia exibir a comoção de um iniciante. É possível ser o melhor e ainda emular uma primeira vez? Mesmo quando foi derrotado nas piscinas, encarando o 2º lugar numa de suas provas favoritas (os 100m borboleta), Phelps ainda protagonizou uma das cenas mais memoráveis dos jogos. Numa varredura pelas redes sociais, o jornalismo esportivo descobriu que o campeão da disputa, o jovem Joseph Scooling, de 21 anos, ostentava com orgulho uma foto ao lado do ídolo americano. Resultado, tivemos um pódio simbólico, representativo da troca entre gerações – espécie de passagem de bastão entre o herói e seu aprendiz.

Poderia ampliar esta lista com outras histórias igualmente comoventes. Como a entrega passional da atleta etíope, competidora que, mesmo sem um par de tênis, seguiu em sua prova, ciente de que Olimpíada pressupõe entrega deliberada, convicção, superação – motivação e empenho que, em alguns momentos, parece faltar à comitiva brasileira. Ou a nadadora húngara Katinka Hosszu, outra “veterana” (apenas 27 anos, mas três olimpíadas nas costas e, até então, nenhuma vitória), que, tal como Phelps, desistiu da aposentadoria, treinou fortemente e já levou três ouros na Rio 2016. É, decididamente, esta edição dos jogos têm as mulheres como figuras centrais!

Para completar a lista de veteranos que desafiou a idade e recuperou o prestígio esportivo nas arenas cariocas, não posso deixar de mencionar a conquista do brasileiro Diego Hypolito, medalha de prata na prova de solo. Do vexame em Pequim e Londres, quando era favorito e fracassou em suas apresentações (tal como Daiane dos Santos), aceitou participar da Rio 2016, mesmo sob pesadas críticas – estaria velho para a modalidade, teria desempenho pífio, constrangedor. Diego, é fato, não levou o ouro, conquista que poderia ter arrebatado quando estava no auge; mas seu empenho e dedicação lhe trouxeram uma justa compensação. Em plena sintonia com o espírito olímpico, sua prata é exemplo de superação!

Para completar a lista de veteranos que desafiou a idade e recuperou o prestígio esportivo nas arenas cariocas, não posso deixar de mencionar a conquista de Diego Hypolito. Em plena sintonia com o espírito olímpico, sua prata é exemplo de superação. 

Por falar em ginástica, alguém poderia mencionar como apogeu dos jogos a revolução no esporte encampada pela equipe feminina do EUA, liderada pela notável Simone Biles. Neste momento, sou menos entusiasta. A equipe é de uma eficiência ímpar e Biles, uma vencedora inconteste. Além disso, é ótimo ver uma atleta negra triunfar em território historicamente liderado por competidoras caucasianas. Mas não aprecio esta ginástica que parece se afastar da escola de Nadia Comaneci (marcada pela elegância, suavidade, leveza dos movimentos) e migrar para um espetáculo misto de acrobacia e vigor físico. Há quem se empolgue, mas não estou na linha de frente…

Mas se algo me entristece ao acompanhar este desfile de gigantes do esporte, é perceber que, embora anfitriões razoáveis, nós, brasileiros, estamos longe de assegurar um lugar no Olimpo. Sem investimento contínuo em modalidades-chave, como forma de promover novas gerações e de assegurar um legado, entramos em quadra quase sempre como coadjuvantes, destinados a figurar em cena em ver de protagonizar. Há honradas exceções, mas são casos pontuais que não encobrem o vexame e pouco interesse com que o esporte de ponta é tratado no País. Certamente, encontrarei amigos que me dirão que há outras prioridades em nossa pátria combalida; e estarão certos, parcialmente. A meu ver, o estímulo e a valorização da prática esportiva de alto nível não são incompatíveis com os investimentos em educação, saúde e moradia. Mas, novamente, é uma opinião pessoal. Sem interesse de polemizar.

Laécio Ricardo

Laécio Ricardo é (ou foi) jornalista, é doutor em Multimeios pela Unicamp e professor da UFPE. Apaixonado por gatos, tem convicção de que é cearense, não obstante pistas contrárias, e adora o mar, apesar da epiderme albina.

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