Política

Rede das paixões

Avulsa 2- Facebook3

Às vésperas do segundo turno das eleições para os executivos estaduais e federal, a disputa política está agendada como assunto dominante nos jornais, na internet e nas mesas de bar. Foi neste último espaço em que pude lançar, quase como uma bomba – mas sem estilhaços – minha leitura desse momento, que não diz propriamente respeito aos candidatos, e sim aos eleitores, mais precisamente aos usuários dos sites e aplicativos de redes sociais que estão fazendo deste pleito uma experiência comunicacional única.

Estamos vivendo a adolescência da comunicação na sociedade em rede. É um momento de descobertas, de entusiasmo, de dúvidas e, acima de tudo, de emoções à flor da pele.

Esses eleitores/usuários estão nada mais, nada menos, que verdadeiramente apaixonados. Mas o objeto de desejo deles não é o candidato, o partido ou a política em si, mas a comunicação, a capacidade de enunciar, de falar, de dizer e ser visto e ouvido por centenas e até milhares de outros sujeitos. Durante quase seis séculos, o homem comum, ordinário esteve mudo, forçosamente calado pela falta de acesso aos meios de comunicação. Somente a mídia institucional – se restringirmos nosso olhar para a modernidade – tinha condições e, consequentemente, autorização, para enunciar, discursar, para dizer algo.

Foi somente na virada do século 2000 que os homens, de posse, claro, de aparatos de comunicação como computadores e, posteriormente, de outros dispositivos, puderam exercer com afinco e plenitude sua capacidade discursiva latente. Afinal, como bem já observou Aristoteles, o homem é um animal retórico. Mas entre a sistematização da imprensa e a emergência da internet, nossa retórica esteve acuada, amedrontada pela dominação da mídia de massa. Usando as palavras de Foucault, vivemos um longo período de interdição discursiva e só agora gozamos da autorização para expressar o pensamento em espaços de grandes fluxos de audiências.

Daí porque consigo compreender as razões pelas quais a passionalidade domina o debate em torno do temas agendados em sites de relacionamentos a exemplo do Facebook. Estamos vivendo a adolescência da comunicação na sociedade em rede. É um momento de descobertas, de entusiasmo, de dúvidas e, acima de tudo, de emoções à flor da pele. Como jovens apaixonados, temos urgência em viver essa experiência e, para tal, disparamos opiniões e pontos de vista, muitas vezes, incoerentes, extremistas e pouco fundamentados. Não estamos dando o tempo necessário que a racionalidade requer para maturar um argumento ou opinião, queremos apenas nos expressar.

Diante disso, a postagem, em tempos de debate eleitoral, tem o valor de um beijo ardente, daqueles que tiram o fôlego e deixam um sabor quase indescritível na boca. Assim são as defesas dos candidatos, o compartilhamento de informações factuais e documentais que reforçam o gosto de certeza e verdade que tem o beijo discursivo. Estimulados pelo tesão que o discurso desperta, acabamos perdendo de vista, muitas vezes, o respeito pelo outro. Se a química de ideias não acontece, se não angariamos comentários e compartilhamentos, é porque não fomos feitos um para o outro e o rompimento se aproxima.

Quando o outro falha e não satisfaz o desejo de concordância que procuramos nas curtidas, a raiva é quase inevitável. A comunhão buscada transforma-se em rancor.

Quando o outro falha e não satisfaz o desejo de concordância que procuramos nas curtidas, a raiva é quase inevitável. E a comunhão buscada no encontro entre as palavras de mesmo sentido transforma-se em rancor. A negação do outro em satisfazer nosso desejo coloca uma lupa sobre as falhas e defeitos que a alteridade carrega. E, assim, é que o debate se encaminha para a desqualificação e ofensa pessoal, com trocas de acusações e apontamentos de erros e mentiras até que se chegue a ponto do rompimento. E sobre laços enfraquecidos e amizades desfeitas também teremos muito o que rememorar no revival desse período eleitoral. Afinal, a paixão é assim mesmo, avassaladora, e também frustrante.

Mas o que me consola é que tudo não passa de uma fase. Assim como as paixões juvenis, nossa relação com a comunicação há de amadurecer. Se, como bem observa  Dominique Wolton, que o verdadeiro significado da comunicação é a relação, aguardo, portanto, ansiosa pelo momento em que tenhamos mais amor pela comunicação, pois só aí saberemos como tratar bem os argumentos a serem ditos, como ouvir ou ler a opinião do outro sem desacreditá-lo logo em seguida. Poderemos, enfim, fortalecer nossos laços e nos enredar de vez em nós de respeito, usando os sites e Apps de redes sociais para o encontro com o outro e não para um coito discursivo momentâneo e fugaz.

Naiana Rodrigues

Naiana Rodrigues é professora do curso de Jornalismo da UFC, doutoranda em ciências da Comunicação (USP), pesquisadora do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho (CPCT-USP) e do Praxisjor (UFC). Destaca-se: é também fashionista por natureza.

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