Literatura

Pirâmide do medo

O levante - Diego Rivera

O levante – Diego Rivera

O mexicano Juan Villoro cria no romance “Arrecife” uma certa arquitetura da violência que é, antes tudo, um resumo ilustrado da América Latina.

A certa altura de “Arrecife”, novo romance do mexicano Juan Villoro, o protagonista Tony Góngora se depara com uma cena insólita: um sujeito de balaclava e roupa militar, segurando uma AK-47, dá guarida aos comparsas que sequestram as turistas daquele andar.

As moças, entre temor e gozo, deixam-se levar sem muita resistência, porque foram até o Caribe mexicano justamente para aquilo. Os hóspedes do La Pirámide recebem doses controladas de medo. Uma espécie de Disneylândia do terror foi construída na praia de Kukulcán.

Tony não consegue deixar de se admirar com a encenação. Ele é um personagem ao mesmo tempo alheio e parte daquele mundo de mentira. Trabalha lá, tirando música a partir dos peixes. E tudo parece se equilibrar até a morte de Ginger Oldenville, um dos mergulhadores do grande aquário do lugar.

O perigo se tornou real demais num ambiente que era apenas simulacro de terror. Embora seja o núcleo que guia a ação do romance, o assassinato daquele homem, cujo corpo é atravessado por uma lança, é apenas o pano de fundo para se compreender a trama de Villoro.

Essa relação entre um presente policialesco e um passado turbulento é o melhor do livro, porque revela como essa associação está na base dos países latino-americanos.

O passado é a principal questão de La Pirámide. Tony é um desmemoriado por conta do abuso de drogas na juventude. Ele narra a história do ponto de vista daquele que está sempre disposto a recordar —e para quem o passado retorna com insistência, ainda que de forma dolorosa.

Essa relação entre um presente policialesco e um passado turbulento é o melhor do livro, porque revela como essa associação está na base dos países latino-americanos.

O que vivemos senão um presente baseado no medo, que foi se construindo em cima de desejos e expectativas que não fazem mais sentido?

Assim, o romance enxerga de modo muito competente uma espécie de poesia da decadência ao se mover pelas memórias frágeis de Tony. Uma ruína muito própria daqueles países como o nosso, que servem para “salvar os europeus do tédio”.

Por isso os personagens parecem ter se perdido em algum lugar do tempo. Essa aparente melancolia não faz do livro uma peça claustrofóbica. Há possibilidades de respiro. Mas de onde vêm?

Tony tem uma resposta. É irônico e muito preciso que os dois mergulhadores mortos sejam estrangeiros —Roger Bacon, amigo de Oldenville, é o outro. Villoro parece nos dizer que as forças para superar o medo não vêm de fora. Estão, na verdade, próximas do protagonista.

Alan Santiago

Alan Santiago é jornalista e escritor. Tem um livro de contos publicado e já foi repórter dos jornais O Povo e Folha de S.Paulo. Twitter: @alansantiago

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